3 ano A - Atividade de leitura para 26/02/2018.
Monopoly: como jogo inventado para
denunciar os males do
capitalismo teve efeito oposto
Kate
Raworth* BBC Capital
29 agosto 2017
Image
caption Monopoly é um jogo conhecido mundialmente - mas não sua criadora
"Compre
terra - já não se fabrica mais", disse certa vez Mark Twain. É uma máxima
que certamente pode ser aplicada em uma partida do Monopoly, o bem-sucedido
jogo de tabuleiro que ensinou gerações de crianças a comprar propriedades,
enchê-las de hotéis e cobrar aluguéis astronômicos de outros jogadores pelo
privilégio de passar por ali por acidente.
No
Brasil, o jogo começou a ser vendido em 1944 com o nome de Banco Imobiliário
pela Estrela, em parceria com a Hasbro, dona do jogo. As duas empresas
encerraram a parceria, e a Estrela lançou uma nova versão do jogo,
"abrasileirando-o", enquanto a Hasbro decidiu vendê-lo no país com o
nome Monopoly.
A
criadora pouca conhecida do jogo, Elizabeth Magie, sem dúvidas ficaria chateada
se tivesse vivido o suficiente para descobrir quão influente a visão distorcida
de seu jogo se tornou. Por quê? Porque encoraja os jogadores a celebrar os
valores exatamente opostos aos que ela pretendia defender.
Nascida
em 1866, Magie era uma rebelde que falava abertamente contra as normas e as
políticas de seu tempo. Ela era uma mulher não casada aos 40 anos, independente
e orgulhosa disso, e expôs seu ponto de vista com um truque publicitário.
Em
um anúncio de jornal, ela se ofereceu como "uma jovem escrava
americana" a ser comprada pela maior proposta. Seu objetivo, afirmou aos
leitores em choque, era escancarar a posição de subordinação das mulheres na
sociedade. "Nós não somos máquinas", disse ela. "Meninas têm
cérebros, desejos, esperanças e ambição."
“Image caption Com seu jogo de
tabuleiro, Magie queria fazer uma crítica ao sistema capitalista de posse de
propriedades”
Além
de confrontar políticas de gênero, Magie decidiu encarar o sistema capitalista
de posse de propriedades - desta vez não por meio de um truque publicitário,
mas na forma de um jogo de tabuleiro.
A
inspiração surgiu com um livro que seu pai, o político antimonopólio James
Magie, havia lhe dado. Nas páginas do clássico de Henry George, Progresso e
Pobreza (1879), ela encontrou a convicção de que "o direito igual de todos
os homens ao uso da terra é tão claro como seu direito a respirar o ar - é um
direito proclamado pelo fato de sua existência".
Ao
viajar pelos Estados Unidos em 1870, George assistiu a destituições constantes
de terra em meio a uma riqueza crescente, e ele acreditava que isso ocorria devido
à desigualdade da posse de terras que unia essas duas forças - pobreza e
progresso - juntas.
Então,
em vez de seguir Twain e encorajar outros cidadãos a comprar terras, ele pediu
ao governo para taxá-las. Com base em quê? Ele partiu da ideia de que boa parte
do valor de um lote não vem do que está construído ali, mas do que a natureza
pode oferecer em termos de água ou minerais que podem estar abaixo da terra ou
do valor criado devido aos seus arredores, como estradas e trilhos próximos,
uma economia em expansão, um bairro seguro, boas escolas e hospitais locais.
E
argumentou que o dinheiro das taxas deveria ser investido para o bem de todos.
Determinada
a provar o mérito da proposta de George, Magie inventou e patenteou em 1904 o
que ela chamou de Landlord's Game ("Jogo do Proprietário", em
português). Em um tabuleiro em forma de pista (uma novidade na época), várias
ruas e monumentos eram colocados à venda. A inovação chave de seu jogo, porém,
estava em duas regras que ela escreveu.
Sob
o conjunto de regras "Prosperidade", cada jogador ganhava toda vez
que alguém adquiria uma nova propriedade (com o objetivo de refletir a política
de George de taxar o valor da terra), e o jogo era ganho (por todos!) quando o
jogador que começou com menos dinheiro dobrasse a quantia.
Sob
o conjunto de regras "Monopolista", era o contrário, os jogadores
deviam comprar propriedades e coletar aluguel de todos que fossem azarados o
suficiente para pousar ali - e quem quer que conseguisse levar o resto à
falência virava o único vencedor (parece um pouco familiar?).
“Image caption As alternativas de
regras do Monopoly pretendiam mostrar aos jogadores como diferentes abordagem
em relação a propriedade levavam a resultados sociais diferentes”
O
objetivo de ter dois conjuntos diferentes de regras, dizia Magie, era fazer os
jogadores experimentarem uma "demonstração prática do sistema atual de
tomada de terras com todos os seus resultados e consequências" e talvez
entender como diferentes abordagens em relação a posse de propriedade poderiam
levar a resultados sociais tão diferentes.
"Pode
muito bem ser chamado 'O Jogo da Vida'", afirmou Magie, "já que tem
todos os elementos de sucesso e fracasso do mundo real, e o objeto é o mesmo
que a raça humana em geral parece ter, a acumulação de riqueza".
O
jogo logo se tornou um sucesso entre intelectuais de esquerda em centros
universitários da Faculdade de Wharton, Harvard e Columbia e também entre
comunidades Quaker, nas quais algumas regras foram mudadas e os nomes trocados
por ruas de Atlantic City.
Entre
os jogadores dessa adaptação Quaker estava um homem desempregado chamado
Charles Darrow, que depois vendeu a versão modificada do jogo à empresa Parker
Brothers como se fosse a sua criação.
Quando
a verdadeira origem do jogo veio à tona, a Parker Brothers comprou a patente de
Magie e relançou o jogo de tabuleiro com o nome Monopoly com um único conjunto
de regras: o que celebra o triunfo de um sobre todos.
Pior
do que isso, eles venderam o jogo afirmando que o inventor era Darrow, dizendo
que ele havia sonhado com o jogo nos anos 1930, vendido-o à empresa e se
tornado um milionário. A mentira ironicamente exemplificava os valores
implícitos do Monopoly: persiga a riqueza e destrua seus oponentes se você quer
sair por cima.
Então,
na próxima vez que você for convidado a jogar Monopoly, eis uma ideia. Ao
separar as cartas de sorte e as de cofre, faça uma terceira pilha para impostos
sobre terras, para a qual todo proprietário de terra deve contribuir toda vez
que cobrar aluguel de outro jogador.
Quão
alta essa taxa deve ser? E como esse dinheiro deveria ser distribuído? Essas
questões sem dúvidas levarão a um debate incendiário em torno do tabuleiro -
mas era exatamente isso o que Magie sempre esperou que sua criação provocasse.
*Kate
Raworth é uma pesquisadora visitante do Instituto de Mudança Climática da
Universidade de Oxford e associada ao Instituto de Sustentabilidade e Liderança
de Cambridge. Ela é a autora do livro "Doughnut Economics: Seven Ways to
Think Like a 21st-Century Economist" ("Economias de Donuts: Sete
Formas de Pensar como um Economista do Século 21", em tradução livre).
Este artigo foi publicado originalmente na Aeon e republicado sob a licença de
Creative Commons.